E se?

E se envelhecer for uma glória? 
E se o tempo espelhado, gravado, inscrito sobre a superfície do nosso corpo for o mais notável testemunho do quanto vivemos? Do quanto fruímos, sofremos, rimos e amámos?

Para quê passar a vida a tentar manter intacta a juventude, quando o único modo de ela permanecer intocada é preterir o tempo em troca de uma eternidade que tudo consome?


quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Uma descoberta para partilhar

Uma nota de uma descoberta acidental e feliz.
Um escritor chileno enviou-me uma mensagem simpática no Facebook. Convidava-me a entrar no seu mundo, através do blog onde escreve textos que interpretam e renovam a sua herança ancestral. É uma partilha rara e luminosa e não posso deixar de a passar também. Uma pequena mas valiosa prenda.
Obrigada, Héctor. E espero que vocês gostem.

http://www.hectorvelizpm.blogspot.com/

domingo, 3 de outubro de 2010

Carta 15: Outubro, mês sempre novo

Quando eu era pequena, as férias de Verão cobriam também o mês de Setembro. Como nessa altura os meus pais já tinham voltado ao trabalho e as férias na praia já tinham ficado para trás, Setembro era sempre uma espécie de tempo de espera. É claro que havia os amigos para brincar na rua, mas de algum modo os dias menos claros do fim do Verão já traziam um melancolia que tornava mais notória a impaciência. Era bom brincar, mas já cansava, tanto tempo sem ver a escola, tanto tempo sem o que fazer...
Quando Outubro chegava parecia que trazia uma frescura que era mais do que os dias a ficarem mais outonais. Digamos assim: em termos cromáticos, Setembro é um mês vagamente pálido, uma espécie de amarelo gasto, queimado do sol do Verão. Em Outubro, as cores tornavam-se mais vivas: azuis fortes, brancos e cinzas marcados, preto. De onde me vêm estas cores? Dos cadernos da escola, claro está.
Outubro era tempo de comprar cadernos novos, de ver novos livros, de afiar os lápis Viarco e observar as borrachas imaculadas, com todos os cantos bicudos. Era tempo de forrar os livros, de arrumar a pasta, de rondar as batas brancas e ver o que tinha crescido para baixar as baínhas.
As canetas de tinta permanente eram revistas, para verificar se os apáros continuavam operacionais, as esferográficas vinham novas, normalmente Bic laranja ("escrita fina") ou Bic cristal ("escrita normal")... como cantava o anúncio da Bic, na televisão.
A tinta das canetas de tinta permanente era azul, de um azul forte que brilhava sobre o branco do papel, sobre a novidade dos cadernos limpíssimos.
Por isso é que Outubro mantém intactas estas cores, para mim, até hoje. E porque a escola, apesar da doida da Rita, a minha professora torcionária, era uma festa, Outubro oferece-me sempre uma sensação energizante de renovação. Em Outubro, sinto que tudo recomeça (enquanto em Setembro sinto que tudo apenas se esfuma ou, na melhor das hipóteses, amadurece com vagares inquietantes...) e que o mundo se abre à minha frente com infinitas possibilidades.
O dia mágico de Outubro era, nesses anos, o dia 7. Era sempre no dia 7 de Outubro que as aulas recomeçavam. Era, por isso, uma data mágica. Dia de acordar com um objectivo, uma responsabilidade. Voltar à escola era reafirmar a minha participação no mundo, o exercer dos meus deveres de cidadã enquanto criança, ou seja, como estudante. Assim me explicaram os meus pais. A eles cabia trabalhar. A mim, cabia estudar. Era o meu trabalho e por isso eu não devia esperar prendas pelas boas notas, nem castigos pelas más: receber uma má nota ou chumbar, se isso acontecesse, já seria castigo suficiente. Esperava-se de mim que eu desse o meu melhor; como se esperava dos meus pais, nos seus trabalhos.
Por isso, apesar de nunca ter sido uma excelente estudante enquanto fui miúda, fui sempre boa aluna: tinha boas notas, dava o meu melhor. Pelo menos, dentro da sala de aula. Estava com atenção e concentrava-me o que podia. Por isso, estudei sempre, fora da sala, o menos que pude. Até chegar ao Mestrado, diga-se de passagem. Aí, como já era crescida, a coisa mudou, finalmente.
Mas em Outubro eu volto sempre a ter menos de 10 anos. Em Outubro, vêm-me à memória as batas, a mala de pele castanha que eu levei para a escola ao longo de toda a primária e do ciclo preparatório, as canetas e o azul intenso da tinta, os lápis, os afias, as borrachas, e o papel de livros e, sobretudo, dos cadernos.
É também o regresso à escola, fisicamente: subir as escadas, o cheiro da terra do recreio, o cheiro da sala com as mesas e cadeiras de madeira escura, com o quadro de ardósia, com as janelas grandes por onde entrava a luz. O barulho das cadeiras a arrastar no chão, o som dos murmúrios e das perguntas clandestinas, o estalar dos sons no intervalo... e depois o regresso a casa, em grupos de miúdas, conversando pela rua até casa.
Se eu fechar os olhos, ainda sinto o cheiro do papel e da tinta, ainda vejo o brilho da tinta sulcando a folha, ainda sinto a tensão de ter de desfiar uma caligrafia moderada, legível, irrepreensível (nunca a tive, mas tive de a perseguir durante anos...).
Ofereci essa memória a Helena, no início da Cartografia Íntima, quando ela, no hospital, repensa a sua vida, logo no início do livro.
As memórias dos escritores podem não ter nada a ver com a das suas personagens, mas também podem ter. De qualquer modo, a memória é sempre uma ficção.
Um dia destes, voltarei a escrever sobre essa forma de tecer. Até lá, que Outubro vos ilumine os dias!

A propósito da entrevista da Ana Sousa Dias e de mais coisas...

Como já é público, o meu conhecimento sobre os homens é muito básico. Diria, para que fiquem todos igualmente contentes, que o meu conhecimento sobre as mulheres não é muito mais substancial. Na realidade, o humano, embora não me seja estranho no seu todo, mantém sobejos mistérios. Em ambos os géneros.
Contudo, parece que algumas pessoas são mais rápidas a catalogar e a arquivar (será que também a compreender?...permito-me duvidar) do que eu. 
Uma pequena história. No dia do lançamento da "Cartografia Íntima", e estando presentes no auditório da FNAC do Colombo algumas dezenas de convidados, entre os quais eu arriscaria uns 35 a 40% do género masculino, um senhor brindou uma amiga minha com uma pergunta em tom indignado: "Isto é uma coisa para fêmeas, não é?". A minha amiga ainda respondeu com toda a simplicidade: "Não, acho que é para todos." Mas ele, olhando em volta, sentenciou em tom definitivo: "Não. É uma coisa para fêmeas!". E saiu a toda a pressa. 

Pergunta: que saberá ele das "fêmeas" que nós desconhecemos?


A propósito destas escritas

Na pasta que tenho no computador sobre os cinco sentidos, há vários documentos sobre a possível organização deste projecto. Primeiro, quando tudo começou, como um conto. Depois, como um conjunto de cinco contos. Mais tarde, como um projecto de cinco romances.
No meio desta série de documentos, as minhas notas sobre a ordem de entrada em cena dos sentidos é um dos aspectos que mais me diverte. Porque tal como se altera substancialmente o modo como, a cada momento, tentei definir as personagens, as suas biografias e simbólicas, também a ordem dos livros vai variando.
Como é sabido, a escrita tem não apenas ritmos próprios, mas também exigências particulares. E no seu labirinto de fiação, as personagens acabam por nos largar a mão.
Lembro-me sempre de dois romances da Regina Louro ("Que pena ela não se chamar Maria" e a sua sequela "À sombra das altas torres do Bugio"), em que muito claramente a personagem central se solta e chega a intervir na narrativa, interpelando a escritora. Essa tentação — que outros já tiveram mas a que a Regina dá o seu inequívoco e alucinante e contagiante ritmo — surge, no processo da escrita, com mais frequência do que se poderia pensar. Se não a de colocar a personagem a falar connosco (no sentido de ser ela a iniciar esse "chat", como agora se poderia dizer), pelo menos a de entrarmos nós logo em diálogo com ela. Às vezes, até para a pôr no lugar...
Não estou a dizer que isso vá acontecer nestas estórias. Apenas quero com isso sublinhar o modo como as personagens se autonomizam das linhas com que, no início, traçamos o seu destino. Como nos obrigam a repensar a acção a cada página, a sopesar as palavras que dizem (será que esta personagem diria isto? nesta altura, isto poderia passar-se assim? como reagiria esta personagem ou aquela a esta situação particular?), as opções que fazem.
Parte do prazer da escrita é contar uma estória. No meu caso, não sendo uma verdadeira contadora de estórias, mas uma perguntadora, a escrita é mais do que um prazer: é uma necessidade, uma função vital. Não é por isso menos estranho verificar como uma função vital nossa pode ser "habitada" por decisões que parecem obedecer a uma lógica estranha a nós (o que é diferente de dizer "a uma lógica que nos é estranha").
Com a escrita (o tempo do seu processo), "o que podia ter sido e não foi" é progressivamente apagado da memória. Aliás, uma das funções que para mim tem o acto de escrever é não apenas interrogar-me sobre algumas questões que me interessam como libertar-me dos aspectos narrativos de que elas se revestem. Ou seja, é despojar-me delas; abrir outras portas. O esquecimento faz por isso parte do processo. Abrir estos documentos do que têm sido os vários projectos destes cinco sentidos é por isso um exercício de divertimento, estranheza, surpresa e, por vezes, alívio.
O tempo — e as leituras e reflexões que ele permite — é, sem dúvida, um poderoso aliado.
Lembrei-me disto hoje, porque estando a meio do segundo volume tenho várias encruzilhadas pela frente e fui abrir esses documentos a ver se aí encontrava ajuda. Não foi pior nem melhor. O que lá está já não faz sentido. Voltei a ficar sozinha com as personagens e as suas exigências. Logo se verá o que acontece. Como diz o Javier Marías: escrevo para saber como é que a estória vai acabar. Para mim, também é um bocado assim.

Para quem ainda não leu e quiser espreitar as primeiras páginas do livro...

...pode fazê-lo em:
http://www.scribd.com/doc/12970592/Emilia-Ferreira-Cartografia-Intima-Difel-2009

E mais uma impressão sobre o livro

"Desde já  gostei muito, muito do teu romance e sobretudo do tom discreto da tua escrita.

abraço amigo

_______ ZÉ MARTO"



Muito obrigada, Zé.

E ainda mais uma impressão sobre o livro

Como não encontrei maneira de escrever no teu blog sobre a Cartografia Íntima e acabei hoje de a ler, não quero deixar de te dar os parabéns e agradecer-te a partilha do teu olhar sobre este grande novelo no qual estamos todos envolvidos. Será mais um passo certamente para reflectirmos sobre como vamos (ou podemos) deixar a nossa pele e a dos outros, esta última quantas vezes esquecida.
Quando afinal fomos deixando penduradas linhas aqui e ali, umas por esquecimento, outras por distracção, outras nem nós sabemos bem porquê. O que temos que aproveitar são estes fios que nos unem e construir (agora que estamos mais velhinhos) laços dos quais nos lembremos sempre com alegria e amor.
Bjs
A. Barra
PS: A cidade será Lagos?

E mais outra

Olá Emília
tudo bem?Quero apenas dizer-te que adorei o teu livro, de coração e com a toda a sinceridade. Parabéns.É um tipo de escrita que gosto muito, essa de se brincar com as palavras para expõr a profundeza dos sentimentos. Na verdade revi-me em muito na vida de Helena e na forma como a vida se nos escreve na pele e nos marca o coração.Já o recomendei a algumas pessoas e vou oferecer a uma amiga minha minha ah! e obrigada pelo autógrafo.
bjs e fico a aguardar o próximo

Lurdes

Últimas e próximas

Afinal, a Feira do Livro correu muito bem.
Obrigada a todos os que apareceram. E também a todos os que não puderam ir. 


Amigos:

Depois de antecipar, como pior dos cenários, a minha solidão na torreira do sol da Feira, qual Lawrence no deserto (isto se nenhum de vocês lá fosse), comecei a antecipar a possibilidade de um número à Gene Kelly. No caso, Singing in the Rain. Talvez por receio do que isso fizesse pelo livro, fui aconselhada pelo meu editor a adiar a presença na Feira para o próximo domingo 17 de Maio.
Esperemos que o tempo nos deixe fechar a Feira em beleza.
Assim que souber a hora, digo alguma coisa.
 




Feira do Livro de Lisboa, Pavilhão da Difel.
Afinal, vai ser dia 9, às 17h00. Rain or shine. Contei com sol, mas parece que vai estar cinzento. Não faz mal. Lá estarei. Espero que passem por lá.  
Não se esqueçam!




Depois de uma breve conversa com a Ana Aranha, À volta dos Livros, na Antena 1, e de uma passagem pela Maratona da Leitura, na Fnac, no último dia 23, vem agora aí a Feira do Livro.
Em princípio, encontramo-nos dia 10 de Maio. Assim que souber a hora, digo-vos. Espero ver-vos por lá.