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domingo, 5 de janeiro de 2014
sexta-feira, 27 de maio de 2011
Carta 20: uma estória antiga
[Escrevi esta estória em 1984, tinha eu 21 anos. Há poucos anos resolvi enviá-la para um concurso. Ganhou então o Prémio Literário Branquinho da Fonseca — Conto Fantástico, da Câmara Municipal de Cascais. Foi em 2007. Resolvi hoje partilhá-la aqui.]
Os Barqueiros do Rio Cheio
Dentro do mar cresce um rio imenso e maior que a solidão dos pássaros é a sede dos barqueiros, remando pelas luas.
Maior, muito maior que o canto das aves, cresce e revela-se o rio no seio do mar, inchando, subindo até à flor dos dedos, obrigando os barqueiros a remar sempre, até ao infinito, sempre, sempre. Eles não se cansam; já não são seus os braços onde navegam, cavalgam o rio como meninos levados em montadas de pau, vão subindo, galgando as águas numa loucura crescente. Depois, tudo pára. De novo chega o silêncio.
Não há vozes, só o verde antigo aflorando os olhos, povoando a alma, as mãos e os pés. São árvores, limos, o esquecimento e esses não falam, têm a voz guardada em memórias profundas como poços de muitas braças de fundura e não há balde que lhes toque o som. Os barqueiros não guardam lembranças nem sol e, se falassem, a sua voz teria o rumor do musgo.
Em certas noites, porém, ouvem-se falas sobre as copas mais altas enquanto figuras luminosas caminham entre a folhagem sem fazer ruído. Não são pássaros, nem peixes, nem flores antigas. Há quem diga serem barqueiros de outros tempos, que visitam a floresta para falar da chuva.
Quando partem, volta o silêncio. Alguns sóis passados, as nuvens sobem do mar, ocupando a enorme mancha verde com um profundo rumor. Começa com um tamborilar de gotas. Depois, durante dias a fio, caem cabelos de água, limpos e lisos, desprovidos de cor. Assim, ao rodar das primeiras noites, resvala das nuvens um barulho violento. Com o passar do tempo vai desfalecendo, tornando-se finalmente num sussurro. Volta o silêncio.
I
Andam de noite com a chuva e as marés altas. Puxados por peixes mudos que rasam a superfície e os deixam, regressando ao leito. Seguem, depois, o seu caminho na escuridão, rios abaixo, rios abaixo.
Ouvem-se vozes na alba, ainda mal se levanta o nevoeiro, como a manhã pesa de fria! O sol não rompe, o sol não rompe que a água é tanta, parece que o apaga.
Mais tarde, inundam as margens de sons húmidos, rouquidões brancas como as madrugadas, quando descem os lençóis sem sal e sem voz. E assim ficam. Há gente que fala pouco, tecendo, em cada pequeno gesto descuidado, imagens que calam as suas histórias.
Passam os barqueiros no rio, a noite é de veludo e transparece de luz. Alta fica a lua, senhora. Deslizam os barcos.
Lá vai, lá vai, os barqueiros calam tudo, até as dores dos braços de empurrar o pau. À volta ficam as árvores, mas essas parece que dormem. Eles sabem que não: conhecem-lhes a vertigem.
Vão indo, na direcção do mar, descem o rio no seu sussurro lento. Por vezes amparam-se nas margens, afundam os pés na lama, no meio da relva alta, deitam-se de costas, a olhar o céu. Fixamente. E é, decerto, como com elas, as maiores das flores. Um dia foram pássaros que, exaustos, pousaram na terra e orgulhosos viraram os olhos para o azul.
Tão alto, tão fundo!
A tontura fê-los afundar as patas na terra húmida, o susto paralisou-os, enfim, os dedos tocaram o interior do húmus, criaram-se raízes. Mudos, ergueram-se de ar sonhador, o êxtase máximo de contemplar o coalho de estrelas. Ficaram árvores.
Sim, os navegantes destas paragens conhecem bem a história. Também eles são aves, quando planam nas águas, rio abaixo. Eles conhecem a vertigem. São grandes troncos cobertos de musgo, no seu silêncio, no seu mistério. Quando falam, fazem-no como se o mundo dormisse.
II
Têm penas doiradas, abrem os bicos para beber orvalho e falar do sol. Invejam-lhe o fulgor que se desfaz em sangue e violetas quando toca o mar. São presenças tristes a quem os poetas recorrem. Os eremitas falam-lhes.
Conta-se de um poço velho na floresta onde estão adormecidos bocados das vozes destas aves. Diz-se que, um dia, um bando destes animais sem cor se sentou na beira desse poço, observando na água escura os reflexos do sol. O encanto foi tal que abriram muito os bicos. Bocados das suas vozes caíram então à água. Como eles não sabiam nadar, nada puderam fazer para os recuperar. Então, o sol decidiu enviar-lhes capas de oiro, para compensar a tristeza pela perda do seu canto. Mas os pássaros continuaram tristes.
De vez em quando, tapam os céus voando ou rasam os cursos sem sal, florestas acima, tilintando campainhas. Levam flores no bico, vão voar. Depois soltam-nas, oferecem-nas às árvores, que essas perderam as asas, são como pássaros cativos.
Os barqueiros vêem-nos passar. Sabem a sua história, conhecem além dos seus olhos o seu canto cortado. Dir-se-ia que soluçam. São aves de mágoas grandes, queriam ser o sol, invejam-lhe as rosas de sangue quando toca o mar.
Há quem diga que elas são as últimas do bando que se fez tronco e folhas. Por isso, estas nunca pousam os pés na terra, só nos ramos mais altos das árvores, ou então nas areias brancas, junto à espuma das ondas poderosas, em cujas costas vêem o entardecer vermelho e onde não crescem braços de madeira e verde. Ou, então, seguem os que navegam, adormecendo nos seus barcos.
Os barqueiros cantam baixo. Os pássaros partem de madrugada.
III
Na alba, as flores respiram a compasso, são de anil e laranja, as árvores esticam as folhas verdes e algumas flores.
Os barqueiros continuam a descer o rio, já nada resta da presença das aves aflitas, apenas os sonhos vogam ainda, na superfície cristalina, envoltos em névoa.
Quando o sol vai alto, os barcos desaparecem na luz, as águas brilham enormes, mil voos doirados nos seus gestos.
Fica no ar o zumbido das abelhas rondando o pólen. À parte isso, é o peso de uma luz branca que parece adormecida. O calor arde tanto que as árvores sufocam e transpiram.
As flores lá estão. São uma presença constante. Tão constante que cega. Por vezes, os barqueiros já nem dão por elas. Estão lá. Como também não ouvem o zumbido das abelhas, nem sentem os perfumes que adocicam a alvura. Tudo está como que desaparecido.
Eles descem a corrente, as embarcações deslizam suavemente: nada os espanta, os surpreende. Tudo é como sempre. Sem alterações, o rio segue igual a si mesmo.
Eles sabem que é outra água, que os ramos abertos estão maiores e mais próximos do sol, agora, que os pássaros doirados não são os mesmos de há luas atrás. Diriam anos. E as flores, essas, morrem como nascem e lá estão. Mas do tempo têm apenas a ideia das cores da floresta ao longo de crescentes e minguantes, as marcas que se afundam na pele e a força dos braços que já não é a mesma.
Ficam no seu balanço, olham o imenso líquido, observam-lhe os peixes girando no ventre, luzindo. Calam-se. Mal lobrigam as estrelas à noite, por entre a folhagem. Serão os peixes os seus astros, piscando. Continuam a descer o curso. Há alturas em que a chuva é tanta que apaga o brilho das escamas, as águas agitam-se e agigantam-se, saltam, parecem loucas, resvalam sobre as margens em turbilhões de lama. Nada se conta nesses dias desfeitos, não há vozes na floresta, apenas a da corrente galgando os troncos.
Quando tudo passa, os peixes aventuram-se por locais novos que a enxurrada arrancou para si. Territórios de efemeridade, marés cíclicas na terra fofa. Esses que respiram por guelras desconhecem-lhes o tempo e os limites, sabem-lhes apenas a riqueza e vão. Parece que lhes falta comer o mundo e depois morrer, deixando os olhos abertos no cristal feito esmeralda, guardados nele como pérolas apontando espuma.
Agora que os sedimentos assentaram no leito e o rio voltou ao ciclo verde escuro, os barqueiros voltam a ver os seus astros, adivinham-lhes o mover no fundo acalmado e aceitam-lhes as voltas à superfície como uma saudação. É como se neles chegasse a maresia, o mel e o fel e, feitas as contas, neles se encontrasse o balanço e deles viesse, também, o equilíbrio. Gingando na lua-cheia ou soluçando em certas marés, são corrupios, saltos que não acabam nem começam, movimentos contínuos, aqui cortados, ali retomados, lugares perdidos: só restam ecos.
Nota-se mais funda a pele precipitando-se em vales inesperados, os barqueiros já nem se espantam, já nem abrem as bocas para a água na surpresa do tempo e das marés. Eles sabem.
IV
Nada existe no interior da floresta. Por isso os homens ficam no rio com as suas casas flutuantes. Não há nada longe das águas onde o olhar se afunda. Apenas as árvores estáticas, sustentando o firmamento, encerrando o seu olhar noutros abismos.
Para lá do abraço de jade sabe-se que fica o mar. Vêm daí os peixes azuis e verdes que ninguém descobre nas águas mais escuras do que eles. Ninguém os alcança mas todos lhes sabem a existência. De lá, das vagas azuis, verdes e brancas, chegam também os pássaros aflitos, oiro que voa sempre atrás do sol. Agora lá estão, perto da maré-cheia, pousados no areal, olhando infinitamente.
As pequenas jóias de barbatanas e escamas de anil e esmeralda são folhas mortas, deveriam ser vermelhas por isso. Deveriam ser vermelhas. São elas que saltam à noite, sobre o rio, ganhando cor de sangue após o entardecer, como se morressem. Sabe-se que se transformam em libélulas, batendo asas entre os troncos, rasando os braços dos barqueiros. Voam toda a noite. Acabam por cair com a madrugada, mortas e já sem cor. Tornam-se, então, água e a ela regressam, escorrendo por entre os dedos dos homens e lá vão, de novo já como peixes, levantando os barcos nas costas, ondulando a corrente.
V
Do outro lado do maciço de árvores ergue-se a montanha. Imensa, branca no topo, calva. Também de lá correm as águas, crianças ainda, fazendo barulho, rindo. Mais abaixo, a cabeleira de folhas começa. E o rio aumenta, ganha cor, acalma-se. Mais abaixo ainda, a cabeleira de folhas impera, o rio é já adulto, vai sem pressas, de voz pausada e calma. No fim é o mar, um grito. Ou o silêncio. Talvez a paz.
No seu descer, segue como quem sonha e galga os troncos para lhes chegar aos frutos. Lá vai.
Alguém chorou na montanha, hoje pouca água, muita de outras feitas, lágrimas redondas como pérolas. O rio começa perto de um templo sem deus, onde um rouxinol canta de manhã à noite. Gorjeia o ainda ínfimo ribeiro, saindo de baixo de uma pedra, e o rouxinol canta.
É essa a memória do rio. Ele tem nos dedos um canto de rouxinol. Por isso se cala e tece.
VI
Anoitece. Erguem-se vozes solitárias na floresta. Palavras curtas. Frases breves. Até amanhã. Hoje a noite está húmida e não há lua. Ouve-se o sussurro da água deslizando. Os barqueiros recolhem. Aqui e ali há cabanas nas margens. Eles deixam as suas habitações de junco. Os pés nus já não se arrepiam e descem, atravessam a lama que toca os tornozelos. Entram em casa. Apenas umas esteiras e um tecto. Dormem.
Na manhã há frutos e água, de novo a terra molhada e algumas palavras, é o rio, o regresso aos barcos, ei-los que navegam, lá vão.
Têm mãos grandes e olhos serenos. Empurram os paus, fundo, fundo, os juncos deslizam. Vêem-se os braços nus salpicados de sol. A corrente murmura. Eles ouvem-na. Seguem-na.
Têm mãos grandes e olhos serenos.
VII
Às vezes aparecem cavalos. Galopam até ao vale, vindos do alto da montanha, quedam-se impedidos à entrada das árvores. São animais grandes, não passam por entre a folhagem, ficam a olhar a luz verde lá dentro.
A floresta começa de repente, os cavalos quase se assustam, levantam-se nas patas traseiras, relincham. Voltam para onde cada uma das plantas tem mais terreno próprio, regressam ao cimo, deixam o vale. São animais grandes. Por vezes sobem a montanha até ao topo calvo, ganham asas, também eles voam. Planam em círculos sobre a nascente. De tão brancos parecem bolas de algodão suspensas no ar. Alguns aí ficam até morrer. Outros reencontram o chão, perdem o voar, retomam o caminho da floresta para ficar à entrada, a ver a luz verde lá dentro.
Das nuvens se sabe serem os que vogaram no azul até ao fim. Fazem-se água, são eles quem chora, são o rio que vai, depois, atravessar a floresta na sua luz verde.
Os outros descem, perdem as asas, voltam à orla da floresta para ver o futuro.
O rio corre. Corre sempre. Vai descendo.
sábado, 26 de fevereiro de 2011
Carta 19: As palavras sobre os riscos dos outros
Escrever não é um gosto. É uma natureza. E como qualquer natureza tem uma organização interna. Ou, se quisermos, necessidades próprias. Há muito que senti que compreendo melhor uma coisa quando escrevo sobre ela. A escrita tem diversas exigências, por isso. Para mim, é-me difícil ler um livro sem o sublinhar e anotar à margem. Torna-se, por isso, aborrecido para alguém que o leia depois. Mas a verdade é que eu sou muito ciosa e ciumenta dos meus livros. Posso emprestá-los, é verdade. Mas gosto pouco de o fazer. Como também não gosto de ler livros emprestados. Com um livro emprestado, mesmo que seja por um amigo, há uma cerimónia, como ir jantar a casa de alguém que se conhece mal.
Vou desviar-me um bocado e já volto aos livros.
Nas casas dos outros, mesmo dos amigos, mesmo dos familiares, não se anda por lá a abrir portas que se encontrem fechadas, como não se abrem as gavetas dos outros, nem as cartas dos outros. Nunca percebi o problema da estória do Barba Azul, por isso mesmo. Nunca me interessou o que os outros guardam como secreto. Acredito que, para alguém que fique sozinho numa casa, haver uma porta fechada sem qualquer justificação, apenas porque sim, seja mais do que humanamente se pode suportar. Mas, para mim, que nunca fiquei muito tempo em casa de um alguém tão estranho como esse Barba Azul, as portas fechadas sempre me despertaram escassa curiosidade. Sempre preferi aquilo que era partilhado, e daí sempre me terem interessado mais as partilhas da ficção do que ficcionar sobre a vida dos vizinhos, espreitar as cartas alheias ou espiar por buracos da fechadura. Sempre me apeteceu mais ler o que está visível, à frente de todos e que pode ou não revelar. Para caixotes fechados só a história. Essa, sim. De resto, they can keep it.
Volto aos livros.
Ler um livro sem o sublinhar ou anotar foi, sempre, para mim, uma dificuldade. Enfim... "sempre"... No princípio, quando os professores nos mandavam fazer anotações nos livros eu ficava reticente. Estava a sujá-los. Mas depois percebi que o podia fazer a lápis. Uma maneira de fingir que, um dia, se quisesse, podia apagar essas nódoas... Com o tempo, esse gesto, que passei depois a associar ao trabalho (sublinhava os livros de estudo), passou a ser quotidiano. Lesse o que lesse, desde que fosse em livro, eu precisava de anotar.
A coisa tornou-se mais urgente quando passei a fazer crítica literária, há mais de vinte anos. Como nunca gostei de fazer fichas de leitura, tomava as minhas notas no corpo do livro. Assim encontrava depois as citações, as referências aos assuntos que me interessava desenvolver, as marcas do que me fazia rir, do que me comovia, do que me surpreendia, do que me fazia transportar para outros sítios.
Entretanto, compreendi também que compreendo melhor um assunto quando escrevo sobre ele. Sobretudo, como é expectável, porque a escrita, em especial a que se destina a ser publicada, tem de ser (ou deve) clara. Passei a querer escrever sobre os livros que mais me fascinavam, ou sobre os livros que descobria, para partilhar as razões do fascínio ou da descoberta.
Segui, sem dar por isso, um método que, durante alguns anos da minha adolescência, me foi útil para perceber com clareza como "via" os meus colegas e amigos: dos catorze aos vinte e poucos anos, desenhei com bastante regularidade. À parte os desenhos mais livres e imaginativos, gostava especialmente do exercício do retrato. Percebi aquilo que qualquer desenhador sabe: que se vê melhor (incomparavelmente melhor, garanto aos que nunca fizeram a experiência!) quando se desenha.
O desenho é analítico, selectivo, racional, expressivo, reflectivo, organizador, inesperado, revelador... é um admirável exercício. Tolamente, deixei de desenhar (nunca deixei de rabiscar e tenho noção de que a minha mão trata de me ajudar à concentração com esse movimento), mas houve uma coisa que ficou desse tempo: o gosto de ver desenho, de olhar para o resultado das sínteses dos outros.
Como sempre, quando tenho um convite ou a necessidade de escrever um texto sobre a obra de algum artista, parto sempre com essa vontade de descoberta. Sei que o que via antes desse exercício não é o mesmo que vou ver no processo da escrita. A escrita sobre um trabalho plástico, para mim, é o verdadeiro exercício do olhar. Olho para as obras como se espreita um motivo para o desenhar. Os olhos vagueiam, observam, perdem-se, inquirem. E só assim descobrem. A escrita, como o desenho, impõe um ritmo de entrega. Descobrir o que um pintor, um escultor, um desenhador, coloca numa obra, como explora vias pessoais e expõe os seus processos e as dúvidas, as suas descobertas, é o essencial do prazer dessas linhas. Umas e outras se cruzam, de um modo íntimo. Duas expressões pessoais que podem coincidir ou não, mas que entram em diálogo. Tenho sempre algum receio de estar a ver coisas que o autor não quis lá pôr. Mas é um risco legítimo. Também já outros leram em textos meus assuntos que eu nunca pensei que lá estivessem. É mesmo assim.
Não consigo explicar melhor porque me dá tanto prazer o desafio de escrever sobre os riscos dos outros. Da generosidade de se colocarem nas minhas mãos, como se fosse para eu lhes fazer o retrato. É claro que não é deles que falo, mas das suas obras. É claro que é deles que falo, porque é do seu fazer, da sua natureza, que me ocupo.
Vem isto a propósito de três textos em que me enredei (e me enredo) nos últimos tempos. Um sobre as obras do pintor Mário Rita, para a sua exposição agora patente no Centro Cultural de Cascais; outro para a próxima exposição da pintora Beatriz Horta Correia, na Galeria Gomes Alves, em Guimarães; e um outro em curso, para a Sofia Areal, pintora que muito admiro e sobre cuja obra já escrevi várias vezes. É um desafio diferente do dos outros dois textos, primeiros exercícios sobre as obras dos seus autores. No caso de Sofia, de cujo trabalho já escrevo há dez anos, é fenomenal observar o que tem mudado. O que tem ficado. O que se depura. O que se arrisca. O que se teima. O que se resiste.
São cartografias (essas cartas de territórios) em construção. Peles que mostram o que tempo nelas inscreve. E eu no meio. A ver e a pensar sobre isso. É uma felicidade.
Obrigada.
Vou desviar-me um bocado e já volto aos livros.
Nas casas dos outros, mesmo dos amigos, mesmo dos familiares, não se anda por lá a abrir portas que se encontrem fechadas, como não se abrem as gavetas dos outros, nem as cartas dos outros. Nunca percebi o problema da estória do Barba Azul, por isso mesmo. Nunca me interessou o que os outros guardam como secreto. Acredito que, para alguém que fique sozinho numa casa, haver uma porta fechada sem qualquer justificação, apenas porque sim, seja mais do que humanamente se pode suportar. Mas, para mim, que nunca fiquei muito tempo em casa de um alguém tão estranho como esse Barba Azul, as portas fechadas sempre me despertaram escassa curiosidade. Sempre preferi aquilo que era partilhado, e daí sempre me terem interessado mais as partilhas da ficção do que ficcionar sobre a vida dos vizinhos, espreitar as cartas alheias ou espiar por buracos da fechadura. Sempre me apeteceu mais ler o que está visível, à frente de todos e que pode ou não revelar. Para caixotes fechados só a história. Essa, sim. De resto, they can keep it.
Volto aos livros.
Ler um livro sem o sublinhar ou anotar foi, sempre, para mim, uma dificuldade. Enfim... "sempre"... No princípio, quando os professores nos mandavam fazer anotações nos livros eu ficava reticente. Estava a sujá-los. Mas depois percebi que o podia fazer a lápis. Uma maneira de fingir que, um dia, se quisesse, podia apagar essas nódoas... Com o tempo, esse gesto, que passei depois a associar ao trabalho (sublinhava os livros de estudo), passou a ser quotidiano. Lesse o que lesse, desde que fosse em livro, eu precisava de anotar.
A coisa tornou-se mais urgente quando passei a fazer crítica literária, há mais de vinte anos. Como nunca gostei de fazer fichas de leitura, tomava as minhas notas no corpo do livro. Assim encontrava depois as citações, as referências aos assuntos que me interessava desenvolver, as marcas do que me fazia rir, do que me comovia, do que me surpreendia, do que me fazia transportar para outros sítios.
Entretanto, compreendi também que compreendo melhor um assunto quando escrevo sobre ele. Sobretudo, como é expectável, porque a escrita, em especial a que se destina a ser publicada, tem de ser (ou deve) clara. Passei a querer escrever sobre os livros que mais me fascinavam, ou sobre os livros que descobria, para partilhar as razões do fascínio ou da descoberta.
Segui, sem dar por isso, um método que, durante alguns anos da minha adolescência, me foi útil para perceber com clareza como "via" os meus colegas e amigos: dos catorze aos vinte e poucos anos, desenhei com bastante regularidade. À parte os desenhos mais livres e imaginativos, gostava especialmente do exercício do retrato. Percebi aquilo que qualquer desenhador sabe: que se vê melhor (incomparavelmente melhor, garanto aos que nunca fizeram a experiência!) quando se desenha.
O desenho é analítico, selectivo, racional, expressivo, reflectivo, organizador, inesperado, revelador... é um admirável exercício. Tolamente, deixei de desenhar (nunca deixei de rabiscar e tenho noção de que a minha mão trata de me ajudar à concentração com esse movimento), mas houve uma coisa que ficou desse tempo: o gosto de ver desenho, de olhar para o resultado das sínteses dos outros.
Como sempre, quando tenho um convite ou a necessidade de escrever um texto sobre a obra de algum artista, parto sempre com essa vontade de descoberta. Sei que o que via antes desse exercício não é o mesmo que vou ver no processo da escrita. A escrita sobre um trabalho plástico, para mim, é o verdadeiro exercício do olhar. Olho para as obras como se espreita um motivo para o desenhar. Os olhos vagueiam, observam, perdem-se, inquirem. E só assim descobrem. A escrita, como o desenho, impõe um ritmo de entrega. Descobrir o que um pintor, um escultor, um desenhador, coloca numa obra, como explora vias pessoais e expõe os seus processos e as dúvidas, as suas descobertas, é o essencial do prazer dessas linhas. Umas e outras se cruzam, de um modo íntimo. Duas expressões pessoais que podem coincidir ou não, mas que entram em diálogo. Tenho sempre algum receio de estar a ver coisas que o autor não quis lá pôr. Mas é um risco legítimo. Também já outros leram em textos meus assuntos que eu nunca pensei que lá estivessem. É mesmo assim.
Não consigo explicar melhor porque me dá tanto prazer o desafio de escrever sobre os riscos dos outros. Da generosidade de se colocarem nas minhas mãos, como se fosse para eu lhes fazer o retrato. É claro que não é deles que falo, mas das suas obras. É claro que é deles que falo, porque é do seu fazer, da sua natureza, que me ocupo.
Vem isto a propósito de três textos em que me enredei (e me enredo) nos últimos tempos. Um sobre as obras do pintor Mário Rita, para a sua exposição agora patente no Centro Cultural de Cascais; outro para a próxima exposição da pintora Beatriz Horta Correia, na Galeria Gomes Alves, em Guimarães; e um outro em curso, para a Sofia Areal, pintora que muito admiro e sobre cuja obra já escrevi várias vezes. É um desafio diferente do dos outros dois textos, primeiros exercícios sobre as obras dos seus autores. No caso de Sofia, de cujo trabalho já escrevo há dez anos, é fenomenal observar o que tem mudado. O que tem ficado. O que se depura. O que se arrisca. O que se teima. O que se resiste.
São cartografias (essas cartas de territórios) em construção. Peles que mostram o que tempo nelas inscreve. E eu no meio. A ver e a pensar sobre isso. É uma felicidade.
Obrigada.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
Carta 18: Querido Pai Natal
Eu também acreditei no Pai Natal. Durante alguns poucos anos da minha vida o Natal teve esse mistério e essa magia vestida de vermelho.
Na noite de 24 para 25, eu deitava-me com a excitação normal da antecipação. Tinha já feito a carta com os pedidos ao Pai Natal e esperava o que ele considerasse pertinente oferecer-me pelo menos alguns. Tenho uma ideia vaga dos meus pedidos gerais. Uma boneca, um Lego... Lembro-me de um desejo muito específico: um frigorífico pequeno, uma perfeita miniatura. A porta abria-se e lá dentro havia prateleiras removíveis, um congelador cuja porta se abria, e um pacote de manteiga, um cesto com ovos, uma garrafa de leite... Era mágico e esteve exposto durante semanas na montra da loja do Gás Cidla. Eu passava por lá quase todos os dias, depois da escola. Nesse ano, lembro-me de ter dito à minha mãe que gostava que o Pai Natal me desse aquele frigorífico. Contava com a possibilidade de ele poder passar no buraco da chaminé, que era bastante estreito, mas que tinha o tamanho certo para deixar descer a caixa do embrulho.
As dimensões do buraco da chaminé já me tinham feito inquirir os meus pais quanto à possibilidade de o Pai Natal poder deixar embrulhos grandes na base do fogão. O meu pai, sempre pragmático, explicou que obviamente esses embrulhos nunca poderiam passar em tão exíguo espaço, pelo que eles ficavam atentos e abriam a porta das traseiras para que o Pai Natal entrasse com comodidade e colocasse as prendas onde devido.
Por isso, na noite de 24, antes de me ir deitar, eu verificava se o sapato estava em posição e se a porta das traseiras estava no trinco, se a campainha funcionava, se, se se...
Na verdade, nunca acreditei que aquele frigorífico me viesse parar às mãos. Mas desejá-lo já era maravilhoso.
Nesse Natal em que o meu pai estava longe, na América, eu fiquei sozinha com a minha mãe. Nessa altura, eu ainda acreditava em deus, e todos os dias ao entrar em casa eu ia direita ao pinheiro, ajoelhava-me em frente ao presépio e pensava no meu pai lá longe e se o Pai Natal se iria lembrar de mim.
Na manhã do dia 25, quando cheguei à cozinha, havia presentes em redor do fogão. Um deles tinha um tamanho que lhe tinha permitido, com toda a clareza, passar pelo buraco da chaminé. Fiquei muito excitada. Abri-o com enorme expectativa e lá dentro estava o meu maravilhoso frigorífico.
Pequenino e perfeito, com as suas prateleiras móveis, o congelador com porta de abrir, uma luzinha que acendia quando se abria a porta, os pequenos pacotes (de manteiga e não só), a garrafinha de leite e a cestinha com 3 ovos. Tudo se podia mexer, nada era cenário, apenas a escala, deliciosa, à altura da minha boneca preferida: a Patch.
As dúvidas que eu já começava a ter quanto à existência do Pai Natal, sobretudo pelas observações de colegas que já estavam mais informadas, eclipsaram-se com a adequação total: da concretização do sonho (era impossível o meu pai tê-lo comprado porque estava a milhares de quilómetros de distância; e como a minha mãe chegava do trabalho já depois de a loja ter fechado era também impossível que ela tivesse tratado disso; logo, só podia mesmo ter sido o Pai Natal) à evidência da possibilidade física da passagem do embrulho pela abertura da chaminé.
Ainda tenho esse frigorífico. Está impecável, apesar de terem passado entretanto exactamente 40 anos.
Eu tinha sete, a caminho dos oito. A caminho dos oito o meu pai voltou da América, com as novidades dos meses lá passados no inverno frio de Great Lakes, e que incluíam não apenas as recordações dos colegas do curso que lá fez, como os novos hábitos: flocos de milho ao pequeno-almoço (que eu odiava, porque sempre detestei papas e não suportava os flocos com leite todos moles e excessivamente doces) e as chiclets de caixa amarela, um sabor verdadeiramente novo para quem, como eu, só conhecia as pastilhas pirata e esse sim muito interessante.
Mas isso foi depois. Desse Natal, provavelmente o último em que eu acreditei no Pai Natal, um bocadinho antes de eu crescer, e dois anos antes de ter perdido deus para sempre, eu senti sobretudo a falta dos meus afectos. O meu pai, tão longe.
Apesar da minha descrença, o Pai Natal, no entanto, tem sido generoso comigo. Ao longo dos anos, tenho mantido a família por perto. Uma família que tem aumentado, embora também já tenha algumas perdas.
Tenho os meus pais, a minha irmã (que veio depois desse natal de há 40 anos), a família dela, a minha também. A nossa família tornou-se maior. E, com o tempo, as cartas ao Pai Natal foram mudando.
Não se iludem: não deixei de as escrever. Mas agora entrego-as directamente aos dois responsáveis: o meu pai e a minha mãe. As cartas levam sugestões. É uma boa maneira de evitar repetição de livros ou filmes, por exemplo.
Na noite de 24 para 25, eu deitava-me com a excitação normal da antecipação. Tinha já feito a carta com os pedidos ao Pai Natal e esperava o que ele considerasse pertinente oferecer-me pelo menos alguns. Tenho uma ideia vaga dos meus pedidos gerais. Uma boneca, um Lego... Lembro-me de um desejo muito específico: um frigorífico pequeno, uma perfeita miniatura. A porta abria-se e lá dentro havia prateleiras removíveis, um congelador cuja porta se abria, e um pacote de manteiga, um cesto com ovos, uma garrafa de leite... Era mágico e esteve exposto durante semanas na montra da loja do Gás Cidla. Eu passava por lá quase todos os dias, depois da escola. Nesse ano, lembro-me de ter dito à minha mãe que gostava que o Pai Natal me desse aquele frigorífico. Contava com a possibilidade de ele poder passar no buraco da chaminé, que era bastante estreito, mas que tinha o tamanho certo para deixar descer a caixa do embrulho.
As dimensões do buraco da chaminé já me tinham feito inquirir os meus pais quanto à possibilidade de o Pai Natal poder deixar embrulhos grandes na base do fogão. O meu pai, sempre pragmático, explicou que obviamente esses embrulhos nunca poderiam passar em tão exíguo espaço, pelo que eles ficavam atentos e abriam a porta das traseiras para que o Pai Natal entrasse com comodidade e colocasse as prendas onde devido.
Por isso, na noite de 24, antes de me ir deitar, eu verificava se o sapato estava em posição e se a porta das traseiras estava no trinco, se a campainha funcionava, se, se se...
Na verdade, nunca acreditei que aquele frigorífico me viesse parar às mãos. Mas desejá-lo já era maravilhoso.
Nesse Natal em que o meu pai estava longe, na América, eu fiquei sozinha com a minha mãe. Nessa altura, eu ainda acreditava em deus, e todos os dias ao entrar em casa eu ia direita ao pinheiro, ajoelhava-me em frente ao presépio e pensava no meu pai lá longe e se o Pai Natal se iria lembrar de mim.
Na manhã do dia 25, quando cheguei à cozinha, havia presentes em redor do fogão. Um deles tinha um tamanho que lhe tinha permitido, com toda a clareza, passar pelo buraco da chaminé. Fiquei muito excitada. Abri-o com enorme expectativa e lá dentro estava o meu maravilhoso frigorífico.
Pequenino e perfeito, com as suas prateleiras móveis, o congelador com porta de abrir, uma luzinha que acendia quando se abria a porta, os pequenos pacotes (de manteiga e não só), a garrafinha de leite e a cestinha com 3 ovos. Tudo se podia mexer, nada era cenário, apenas a escala, deliciosa, à altura da minha boneca preferida: a Patch.
As dúvidas que eu já começava a ter quanto à existência do Pai Natal, sobretudo pelas observações de colegas que já estavam mais informadas, eclipsaram-se com a adequação total: da concretização do sonho (era impossível o meu pai tê-lo comprado porque estava a milhares de quilómetros de distância; e como a minha mãe chegava do trabalho já depois de a loja ter fechado era também impossível que ela tivesse tratado disso; logo, só podia mesmo ter sido o Pai Natal) à evidência da possibilidade física da passagem do embrulho pela abertura da chaminé.
Ainda tenho esse frigorífico. Está impecável, apesar de terem passado entretanto exactamente 40 anos.
Eu tinha sete, a caminho dos oito. A caminho dos oito o meu pai voltou da América, com as novidades dos meses lá passados no inverno frio de Great Lakes, e que incluíam não apenas as recordações dos colegas do curso que lá fez, como os novos hábitos: flocos de milho ao pequeno-almoço (que eu odiava, porque sempre detestei papas e não suportava os flocos com leite todos moles e excessivamente doces) e as chiclets de caixa amarela, um sabor verdadeiramente novo para quem, como eu, só conhecia as pastilhas pirata e esse sim muito interessante.
Mas isso foi depois. Desse Natal, provavelmente o último em que eu acreditei no Pai Natal, um bocadinho antes de eu crescer, e dois anos antes de ter perdido deus para sempre, eu senti sobretudo a falta dos meus afectos. O meu pai, tão longe.
Apesar da minha descrença, o Pai Natal, no entanto, tem sido generoso comigo. Ao longo dos anos, tenho mantido a família por perto. Uma família que tem aumentado, embora também já tenha algumas perdas.
Tenho os meus pais, a minha irmã (que veio depois desse natal de há 40 anos), a família dela, a minha também. A nossa família tornou-se maior. E, com o tempo, as cartas ao Pai Natal foram mudando.
Não se iludem: não deixei de as escrever. Mas agora entrego-as directamente aos dois responsáveis: o meu pai e a minha mãe. As cartas levam sugestões. É uma boa maneira de evitar repetição de livros ou filmes, por exemplo.
Diria, também, que o Pai Natal tem sido obstinado. Não tem deixado que nos esqueçamos dele. É certo que a presença de crianças na família tem feito honra à sua continuação. Um pouco mais cedo do que eu, o meu filho usou da lógica e percebeu que tínhamos de ser nós a oferecer as prendas. Achou que a ideia do velhote e das cartas e das viagens relâmpago era boa, mas pouco razoável. E até pouco justa. E topou a cena toda. Tinha seis anos. Mas este ano, e enquanto a minha sobrinha acreditar, nós vamos reencenar o mistério.
No meio da confusão destes dias, ainda me faltam algumas prendas e não tenho, desta vez, a mais pequena ideia do que podia escrever na minha própria carta. Coisas consumíveis, sem dúvida: um ou outro livro, chá, azeite, compotas, café, talvez um queijo ou um vinho alentejano. Mas sobretudo a esplendorosa galhofa que estala sempre que nos reunimos.
Essa não é preciso embrulhar. Nem carece de espaços especiais para passar. Circula livremente. O Natal é mesmo uma festa. Mesmo que, no nosso caso, o presépio seja uma encenação, a árvore seja o mais importante mesmo que seja de plástico, e deus esteja ausente para a maior parte dos membros da família.
Entre a tradição e o presente, nós mantivemos o eixo do simbólico e, entre ateus e agnósticos, com franca minoria de católicos e mais nenhumas confissões, um espírito sinceramente re-ligioso. Porque o que fazemos no Natal é um acto de re-ligar. Entre nós, entre todos. Pelo puro prazer de estarmos juntos.
Vou reformular o início. Eu acredito no Pai Natal. É esta magia algo idiota de gostar de ver filmes com neve e pinheiros e embrulhos e estórias de amor. Coisas pirosas e christmas carols. É o desejo de bacalhau e bolo-rei e a fobia dos centros comerciais de que fujo o mais que posso. E a antecipação do almoço do dia 25, em que nos reunimos todos.
Penso que o Pai Natal ficaria contente.
Um Natal quentinho para todos!
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Carta 17: Livros assim como caixas
Tive muitas vezes a sensação de que os livros são como caixas. Não só caixas de tesouros ou de inquietações, mas muitas vezes também caixas de música.
Isso deve ter a ver com uma memória de infância. A minha mãe tem, desde há muitos anos, uma caixa de jóias que tem também um mecanismo musical. Se se der corda, ao levantar a tampa começa-se a ouvir umas notas encantatórias que acompanham o tempo de escolher os brincos, um anel, um pregador. A caixa é preta e tem incrustações em madre-pérola. Uma prenda de alguém que esteve na China. Há muitos anos. Acho que antes de eu nascer.
Dentro da caixa há compartimentos. Como capítulos. Portas para outras estórias. Manias minhas. Isto de achar que as estórias são como acontecimentos que se encaixam uns nos outros e que se continuam ou mudam de rumo. Como as pessoas. Como os livros.
À conta da música desta caixa, também para mim, por associação, os livros acabaram por funcionar como caixas de voz. Como caixas de música. "As velas ardem até ao fim" do Sandor Marai, por exemplo. Abro-o de repente. E de lá se ergue uma voz que conta. Como uma melodia. "O memorial do convento", do Saramago, por exemplo. Porque de lá se ergue a voz do autor. Rumorosa e irónica. E generosa.
Às vezes, os livros também funcionam para mim como máquinas do tempo. Especialmente quando são biografias. Quando há vários anos li "L'École de Barbizon et le paysage français au XIXe siècle" do escritor e crítico Jean Bouret, a empatia que ele nos consegue criar com aqueles pintores é tão grande que não pude deixar de sentir uma enorme tristeza com a aproximação das últimas páginas. A pouco e pouco, essas páginas avançavam para o fim das suas vidas e a cada uma que voltava era como afastar-me um pouco mais daqueles pintores. Até que o livro terminou. Tal como as suas vidas. Mas, exactamente como uma caixa mágica que nos permitisse viajar no tempo, ao voltar a abrir o livro nas primeiras páginas, lá os voltava a encontrar, jovens e cheios de energia para resistir, cheios de vontade e de cumplicidade, de olhos cheios de luz a caminho da floresta de Fontainebleau.
Talvez também me tenha apaixonado por esses pintores porque eles se apaixonaram pelos seus sonhos e não os deixaram perdidos. Ou talvez também me tivesse apaixonado por esses pintores porque eles passaram a vida entre as árvores e as árvores cantam aos meus ouvidos desde que ouvi ler "A floresta", da Sophia de Mello Breyner quando eu tinha 5 anos.
Enfim, livros para falar de outros livros.
Resolvi hoje escrever sobre estas coisas, não só porque as árvores estão douradas e ruivas e à beira de ficarem quedas e mudas, dormindo sob a chuva. (Tenho sempre a sensação de que as árvores no Inverno — quando a sua anatomia é mais aparente, como dizia o Henry Moore — dormem; e que se aconchegam na terra, como nós fazemos na cama, quando a chuva cai.) Foi também porque estou a ler um livro do Fernando Savater "A arte do ensaio: ensaios sobre a cultura universal" que é exactamente como uma caixa cheias de caixas lá dentro. Algumas das caixas que ele abre eu já abri também há anos. Outras, nunca abri. Mas fico com vontade de as abrir todas. De novo ou pela primeira vez.
Há uma outra caixa que eu abro também com alguma frequência: o Roland Barthes, especialmente a caixa dos "Fragmentos de um discurso amoroso". De cada vez que a abro, não posso deixar de sentir que é uma caixa nova. Que guarda e revela coisas que não vi da última vez; que ainda não estou a ver.
Nunca sentiram que há coisas que, para serem vistas, precisam de esperar por outras visões?
É isso que sinto, muitas vezes. Não só que os livros nos escolhem, porque só eles sabem quando estamos prontos para nos abrirmos a eles. Mas também que há livros de uma paciência infinita. Que nos vão contando, cantando, encantando, baralhando... enquanto nós somos demasiado novos, demasiado incultos ou demasiado apressados para os acolhermos com precisão.
Os livros até sabem aquilo que os seus autores desconhecem. Ou que os seus leitores ignoram. Por exemplo: que a precisão é sempre outra coisa a cada instante que passa. Que a precisão pode até ter outro sentido: o da necessidade. Que as necessidades são sempre diferentes. Por isso eles se nos revelam aos poucos, de cada vez.
Os livros são mesmo objectos absolutamente mágicos. Olho para eles e sinto-me orgulhosa de os ter por perto. Sinto-me feliz por eles se manterem aqui. Não consigo desfazer-me dos meus livros. Mesmo que eles não sejam meus mas eu deles. Um dia, ainda escreverei sobre aqueles que emprestei e nunca mais vi. Ficaram a pairar em ausência cá em casa. Como portas fantasmas cujo lugar e convite distante eu ouço ao longe ao passar pelas estantes.
Isso deve ter a ver com uma memória de infância. A minha mãe tem, desde há muitos anos, uma caixa de jóias que tem também um mecanismo musical. Se se der corda, ao levantar a tampa começa-se a ouvir umas notas encantatórias que acompanham o tempo de escolher os brincos, um anel, um pregador. A caixa é preta e tem incrustações em madre-pérola. Uma prenda de alguém que esteve na China. Há muitos anos. Acho que antes de eu nascer.
Dentro da caixa há compartimentos. Como capítulos. Portas para outras estórias. Manias minhas. Isto de achar que as estórias são como acontecimentos que se encaixam uns nos outros e que se continuam ou mudam de rumo. Como as pessoas. Como os livros.
À conta da música desta caixa, também para mim, por associação, os livros acabaram por funcionar como caixas de voz. Como caixas de música. "As velas ardem até ao fim" do Sandor Marai, por exemplo. Abro-o de repente. E de lá se ergue uma voz que conta. Como uma melodia. "O memorial do convento", do Saramago, por exemplo. Porque de lá se ergue a voz do autor. Rumorosa e irónica. E generosa.
Às vezes, os livros também funcionam para mim como máquinas do tempo. Especialmente quando são biografias. Quando há vários anos li "L'École de Barbizon et le paysage français au XIXe siècle" do escritor e crítico Jean Bouret, a empatia que ele nos consegue criar com aqueles pintores é tão grande que não pude deixar de sentir uma enorme tristeza com a aproximação das últimas páginas. A pouco e pouco, essas páginas avançavam para o fim das suas vidas e a cada uma que voltava era como afastar-me um pouco mais daqueles pintores. Até que o livro terminou. Tal como as suas vidas. Mas, exactamente como uma caixa mágica que nos permitisse viajar no tempo, ao voltar a abrir o livro nas primeiras páginas, lá os voltava a encontrar, jovens e cheios de energia para resistir, cheios de vontade e de cumplicidade, de olhos cheios de luz a caminho da floresta de Fontainebleau.
Talvez também me tenha apaixonado por esses pintores porque eles se apaixonaram pelos seus sonhos e não os deixaram perdidos. Ou talvez também me tivesse apaixonado por esses pintores porque eles passaram a vida entre as árvores e as árvores cantam aos meus ouvidos desde que ouvi ler "A floresta", da Sophia de Mello Breyner quando eu tinha 5 anos.
Enfim, livros para falar de outros livros.
Resolvi hoje escrever sobre estas coisas, não só porque as árvores estão douradas e ruivas e à beira de ficarem quedas e mudas, dormindo sob a chuva. (Tenho sempre a sensação de que as árvores no Inverno — quando a sua anatomia é mais aparente, como dizia o Henry Moore — dormem; e que se aconchegam na terra, como nós fazemos na cama, quando a chuva cai.) Foi também porque estou a ler um livro do Fernando Savater "A arte do ensaio: ensaios sobre a cultura universal" que é exactamente como uma caixa cheias de caixas lá dentro. Algumas das caixas que ele abre eu já abri também há anos. Outras, nunca abri. Mas fico com vontade de as abrir todas. De novo ou pela primeira vez.
Há uma outra caixa que eu abro também com alguma frequência: o Roland Barthes, especialmente a caixa dos "Fragmentos de um discurso amoroso". De cada vez que a abro, não posso deixar de sentir que é uma caixa nova. Que guarda e revela coisas que não vi da última vez; que ainda não estou a ver.
Nunca sentiram que há coisas que, para serem vistas, precisam de esperar por outras visões?
É isso que sinto, muitas vezes. Não só que os livros nos escolhem, porque só eles sabem quando estamos prontos para nos abrirmos a eles. Mas também que há livros de uma paciência infinita. Que nos vão contando, cantando, encantando, baralhando... enquanto nós somos demasiado novos, demasiado incultos ou demasiado apressados para os acolhermos com precisão.
Os livros até sabem aquilo que os seus autores desconhecem. Ou que os seus leitores ignoram. Por exemplo: que a precisão é sempre outra coisa a cada instante que passa. Que a precisão pode até ter outro sentido: o da necessidade. Que as necessidades são sempre diferentes. Por isso eles se nos revelam aos poucos, de cada vez.
Os livros são mesmo objectos absolutamente mágicos. Olho para eles e sinto-me orgulhosa de os ter por perto. Sinto-me feliz por eles se manterem aqui. Não consigo desfazer-me dos meus livros. Mesmo que eles não sejam meus mas eu deles. Um dia, ainda escreverei sobre aqueles que emprestei e nunca mais vi. Ficaram a pairar em ausência cá em casa. Como portas fantasmas cujo lugar e convite distante eu ouço ao longe ao passar pelas estantes.
sábado, 6 de novembro de 2010
Carta 16: Novembro, mês de afectos
Novembro é um mês de afectos. Quando era pequena não tinha amigos que fizessem anos em Novembro. Mas tinha aulas e coisas para fazer com os amigos e a escola. Nos primeiros dias, como agora, ainda havia calor. Parecia sempre uma espécie de permissão para não vestir ainda os casacos. Mas já havia castanhas no mercado, castanhas assadas em casa ou na rua, folhas secas pelo chão e uma luz doirada que indiciava outros dias. Uns dias depois do S. Martinho, a temperatura caía a pique (uns 10 graus, às vezes mais...) e toda a gente se queixava do frio súbito, como se fosse uma grande surpresa. A luz, contudo, continuava doirada e magnífica.
Quando fui para a faculdade, Novembro era o mês em que arrancavam de facto as aulas. Era quando começávamos a trabalhar, mais a sério. Mas era também o mês em que púnhamos a conversa em dia, em que falávamos dos livros que nos encantavam e em que íamos ao cinema. De novo. Com os amigos, depois das férias.
Entretanto, comecei a ter amigos que faziam anos em Novembro. O Zé Ricardo, por exemplo.
Uns anos mais tarde, já a faculdade tinha ficado para trás, conheci o meu marido. Que também faz anos em Novembro. Passámos a fazer, com alguma frequência, umas viagens outonais, para celebrar o aniversário e para experimentar o começo do frio, que tanto nos agrada. Uns anos depois, nasceu a minha sobrinha: também em Novembro. Alguns anos mais tarde, ganhei uma nova cunhada: que também faz anos em Novembro.
Novembro é, por isso, para mim, um mês de afectos e sensações calorosas. Mantendo ou não os magustos — e hoje faltei a um, porque o email, estupidamente, mandou o convite para o junk mail... e só o encontrei à noite por acaso... —, Novembro é um mês que associo aos encontros, aos jantares com os amigos e a família, às mensagens ou aos telefonemas para dar os parabéns aos amigos que estão longe. Apetece andar de bicicleta, passear na praia, andar na cidade. Apanhar chuva e sentir o primeiro frio. Ou aproveitar estes raios de sol acolhedores.
Novembro é um mês para celebrar os prazeres da vida. Tenho pena de que não haja mais árvores com folhas ruivas, e que as pessoas não deixem à noite as janelas sem cortinas, como na Europa Central, para olharmos lá para dentro e ver a luz e as cores, e os seus habitantes passando como num filme, ou sentados nas salas a conversar ou a ler. Como num quadro flamengo do século XVII.
Lá terei de ir à estante, à procura de qualquer coisa. Talvez uma revisitação. A Túlipa Negra, do Alexandre Dumas, por exemplo. Em Novembro também apetece voltar a olhar para dentro. Que é o que se faz quando se reencontra um velho amigo. Como um livro lido há mais de trinta anos.
Daqui a dias, depois do S. Martinho, a temperatura irá descer bruscamente. Uns 10 graus ou mais. E as pessoas queixar-se-ão, com ar chocado, da mudança brusca do tempo, do inesperado dessa mudança. Eu irei comprar mais castanhas e irei comê-las devagar, à beira de um livro e de outros aconchegos.
Quando fui para a faculdade, Novembro era o mês em que arrancavam de facto as aulas. Era quando começávamos a trabalhar, mais a sério. Mas era também o mês em que púnhamos a conversa em dia, em que falávamos dos livros que nos encantavam e em que íamos ao cinema. De novo. Com os amigos, depois das férias.
Entretanto, comecei a ter amigos que faziam anos em Novembro. O Zé Ricardo, por exemplo.
Uns anos mais tarde, já a faculdade tinha ficado para trás, conheci o meu marido. Que também faz anos em Novembro. Passámos a fazer, com alguma frequência, umas viagens outonais, para celebrar o aniversário e para experimentar o começo do frio, que tanto nos agrada. Uns anos depois, nasceu a minha sobrinha: também em Novembro. Alguns anos mais tarde, ganhei uma nova cunhada: que também faz anos em Novembro.
Novembro é, por isso, para mim, um mês de afectos e sensações calorosas. Mantendo ou não os magustos — e hoje faltei a um, porque o email, estupidamente, mandou o convite para o junk mail... e só o encontrei à noite por acaso... —, Novembro é um mês que associo aos encontros, aos jantares com os amigos e a família, às mensagens ou aos telefonemas para dar os parabéns aos amigos que estão longe. Apetece andar de bicicleta, passear na praia, andar na cidade. Apanhar chuva e sentir o primeiro frio. Ou aproveitar estes raios de sol acolhedores.
Novembro é um mês para celebrar os prazeres da vida. Tenho pena de que não haja mais árvores com folhas ruivas, e que as pessoas não deixem à noite as janelas sem cortinas, como na Europa Central, para olharmos lá para dentro e ver a luz e as cores, e os seus habitantes passando como num filme, ou sentados nas salas a conversar ou a ler. Como num quadro flamengo do século XVII.
Lá terei de ir à estante, à procura de qualquer coisa. Talvez uma revisitação. A Túlipa Negra, do Alexandre Dumas, por exemplo. Em Novembro também apetece voltar a olhar para dentro. Que é o que se faz quando se reencontra um velho amigo. Como um livro lido há mais de trinta anos.
Daqui a dias, depois do S. Martinho, a temperatura irá descer bruscamente. Uns 10 graus ou mais. E as pessoas queixar-se-ão, com ar chocado, da mudança brusca do tempo, do inesperado dessa mudança. Eu irei comprar mais castanhas e irei comê-las devagar, à beira de um livro e de outros aconchegos.
quinta-feira, 28 de outubro de 2010
Uma descoberta para partilhar
Uma nota de uma descoberta acidental e feliz.
Um escritor chileno enviou-me uma mensagem simpática no Facebook. Convidava-me a entrar no seu mundo, através do blog onde escreve textos que interpretam e renovam a sua herança ancestral. É uma partilha rara e luminosa e não posso deixar de a passar também. Uma pequena mas valiosa prenda.
Obrigada, Héctor. E espero que vocês gostem.
http://www.hectorvelizpm.blogspot.com/
Um escritor chileno enviou-me uma mensagem simpática no Facebook. Convidava-me a entrar no seu mundo, através do blog onde escreve textos que interpretam e renovam a sua herança ancestral. É uma partilha rara e luminosa e não posso deixar de a passar também. Uma pequena mas valiosa prenda.
Obrigada, Héctor. E espero que vocês gostem.
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A propósito da entrevista da Ana Sousa Dias e de mais coisas...
Como já é público, o meu conhecimento sobre os homens é muito básico. Diria, para que fiquem todos igualmente contentes, que o meu conhecimento sobre as mulheres não é muito mais substancial. Na realidade, o humano, embora não me seja estranho no seu todo, mantém sobejos mistérios. Em ambos os géneros.
Contudo, parece que algumas pessoas são mais rápidas a catalogar e a arquivar (será que também a compreender?...permito-me duvidar) do que eu.
Uma pequena história. No dia do lançamento da "Cartografia Íntima", e estando presentes no auditório da FNAC do Colombo algumas dezenas de convidados, entre os quais eu arriscaria uns 35 a 40% do género masculino, um senhor brindou uma amiga minha com uma pergunta em tom indignado: "Isto é uma coisa para fêmeas, não é?". A minha amiga ainda respondeu com toda a simplicidade: "Não, acho que é para todos." Mas ele, olhando em volta, sentenciou em tom definitivo: "Não. É uma coisa para fêmeas!". E saiu a toda a pressa.
Pergunta: que saberá ele das "fêmeas" que nós desconhecemos?
A propósito destas escritas
Na pasta que tenho no computador sobre os cinco sentidos, há vários documentos sobre a possível organização deste projecto. Primeiro, quando tudo começou, como um conto. Depois, como um conjunto de cinco contos. Mais tarde, como um projecto de cinco romances.
No meio desta série de documentos, as minhas notas sobre a ordem de entrada em cena dos sentidos é um dos aspectos que mais me diverte. Porque tal como se altera substancialmente o modo como, a cada momento, tentei definir as personagens, as suas biografias e simbólicas, também a ordem dos livros vai variando.
Como é sabido, a escrita tem não apenas ritmos próprios, mas também exigências particulares. E no seu labirinto de fiação, as personagens acabam por nos largar a mão.
Lembro-me sempre de dois romances da Regina Louro ("Que pena ela não se chamar Maria" e a sua sequela "À sombra das altas torres do Bugio"), em que muito claramente a personagem central se solta e chega a intervir na narrativa, interpelando a escritora. Essa tentação — que outros já tiveram mas a que a Regina dá o seu inequívoco e alucinante e contagiante ritmo — surge, no processo da escrita, com mais frequência do que se poderia pensar. Se não a de colocar a personagem a falar connosco (no sentido de ser ela a iniciar esse "chat", como agora se poderia dizer), pelo menos a de entrarmos nós logo em diálogo com ela. Às vezes, até para a pôr no lugar...
Não estou a dizer que isso vá acontecer nestas estórias. Apenas quero com isso sublinhar o modo como as personagens se autonomizam das linhas com que, no início, traçamos o seu destino. Como nos obrigam a repensar a acção a cada página, a sopesar as palavras que dizem (será que esta personagem diria isto? nesta altura, isto poderia passar-se assim? como reagiria esta personagem ou aquela a esta situação particular?), as opções que fazem.
Parte do prazer da escrita é contar uma estória. No meu caso, não sendo uma verdadeira contadora de estórias, mas uma perguntadora, a escrita é mais do que um prazer: é uma necessidade, uma função vital. Não é por isso menos estranho verificar como uma função vital nossa pode ser "habitada" por decisões que parecem obedecer a uma lógica estranha a nós (o que é diferente de dizer "a uma lógica que nos é estranha").
Com a escrita (o tempo do seu processo), "o que podia ter sido e não foi" é progressivamente apagado da memória. Aliás, uma das funções que para mim tem o acto de escrever é não apenas interrogar-me sobre algumas questões que me interessam como libertar-me dos aspectos narrativos de que elas se revestem. Ou seja, é despojar-me delas; abrir outras portas. O esquecimento faz por isso parte do processo. Abrir estos documentos do que têm sido os vários projectos destes cinco sentidos é por isso um exercício de divertimento, estranheza, surpresa e, por vezes, alívio.
O tempo — e as leituras e reflexões que ele permite — é, sem dúvida, um poderoso aliado.
Lembrei-me disto hoje, porque estando a meio do segundo volume tenho várias encruzilhadas pela frente e fui abrir esses documentos a ver se aí encontrava ajuda. Não foi pior nem melhor. O que lá está já não faz sentido. Voltei a ficar sozinha com as personagens e as suas exigências. Logo se verá o que acontece. Como diz o Javier Marías: escrevo para saber como é que a estória vai acabar. Para mim, também é um bocado assim.
Para quem ainda não leu e quiser espreitar as primeiras páginas do livro...
...pode fazê-lo em:
http://www.scribd.com/doc/12970592/Emilia-Ferreira-Cartografia-Intima-Difel-2009
E mais uma impressão sobre o livro
"Desde já gostei muito, muito do teu romance e sobretudo do tom discreto da tua escrita.
abraço amigo
_______ ZÉ MARTO"
Muito obrigada, Zé.
E ainda mais uma impressão sobre o livro
Como não encontrei maneira de escrever no teu blog sobre a Cartografia Íntima e acabei hoje de a ler, não quero deixar de te dar os parabéns e agradecer-te a partilha do teu olhar sobre este grande novelo no qual estamos todos envolvidos. Será mais um passo certamente para reflectirmos sobre como vamos (ou podemos) deixar a nossa pele e a dos outros, esta última quantas vezes esquecida.
Quando afinal fomos deixando penduradas linhas aqui e ali, umas por esquecimento, outras por distracção, outras nem nós sabemos bem porquê. O que temos que aproveitar são estes fios que nos unem e construir (agora que estamos mais velhinhos) laços dos quais nos lembremos sempre com alegria e amor.
Bjs
A. Barra
PS: A cidade será Lagos?
Quando afinal fomos deixando penduradas linhas aqui e ali, umas por esquecimento, outras por distracção, outras nem nós sabemos bem porquê. O que temos que aproveitar são estes fios que nos unem e construir (agora que estamos mais velhinhos) laços dos quais nos lembremos sempre com alegria e amor.
Bjs
A. Barra
PS: A cidade será Lagos?
E mais outra
Olá Emília
tudo bem?Quero apenas dizer-te que adorei o teu livro, de coração e com a toda a sinceridade. Parabéns.É um tipo de escrita que gosto muito, essa de se brincar com as palavras para expõr a profundeza dos sentimentos. Na verdade revi-me em muito na vida de Helena e na forma como a vida se nos escreve na pele e nos marca o coração.Já o recomendei a algumas pessoas e vou oferecer a uma amiga minha minha ah! e obrigada pelo autógrafo.
bjs e fico a aguardar o próximo
Lurdes
tudo bem?Quero apenas dizer-te que adorei o teu livro, de coração e com a toda a sinceridade. Parabéns.É um tipo de escrita que gosto muito, essa de se brincar com as palavras para expõr a profundeza dos sentimentos. Na verdade revi-me em muito na vida de Helena e na forma como a vida se nos escreve na pele e nos marca o coração.Já o recomendei a algumas pessoas e vou oferecer a uma amiga minha minha ah! e obrigada pelo autógrafo.
bjs e fico a aguardar o próximo
Lurdes
Últimas e próximas
Afinal, a Feira do Livro correu muito bem.
Obrigada a todos os que apareceram. E também a todos os que não puderam ir.
Amigos:
Depois de antecipar, como pior dos cenários, a minha solidão na torreira do sol da Feira, qual Lawrence no deserto (isto se nenhum de vocês lá fosse), comecei a antecipar a possibilidade de um número à Gene Kelly. No caso, Singing in the Rain. Talvez por receio do que isso fizesse pelo livro, fui aconselhada pelo meu editor a adiar a presença na Feira para o próximo domingo 17 de Maio.
Esperemos que o tempo nos deixe fechar a Feira em beleza.
Assim que souber a hora, digo alguma coisa.
Feira do Livro de Lisboa, Pavilhão da Difel.
Afinal, vai ser dia 9, às 17h00. Rain or shine. Contei com sol, mas parece que vai estar cinzento. Não faz mal. Lá estarei. Espero que passem por lá.
Não se esqueçam!
Em princípio, encontramo-nos dia 10 de Maio. Assim que souber a hora, digo-vos. Espero ver-vos por lá.