E se?

E se envelhecer for uma glória? 
E se o tempo espelhado, gravado, inscrito sobre a superfície do nosso corpo for o mais notável testemunho do quanto vivemos? Do quanto fruímos, sofremos, rimos e amámos?

Para quê passar a vida a tentar manter intacta a juventude, quando o único modo de ela permanecer intocada é preterir o tempo em troca de uma eternidade que tudo consome?


terça-feira, 18 de maio de 2010

Carta 2 — O lugar da escrita

Gosto de ver casas de escritores. Gosto de ver os espaços em que eles escrevem, os lugares em que organizam os seus livros, os seus papéis, os seus objectos. Como são as mesas a que escrevem, as cadeiras em que se sentam, os candeeiros, os objectos (canetas, máquinas de escrever, computadores...). Gosto também de perceber como organizam os seus tempos.
Gosto porque o meu espaço da escrita fica nas pregas do tempo que sobra. E, como qualquer coisa que fica nas pregas, tem poucas condições logísticas (como agora se diz). O meu espaço é a minha casa. Mais concretamente, uma cadeira na sala da minha casa. A minha casa está cheia de livros, mas não tenho um quarto que seja meu, parafraseando a frase célebre da Virginia Woolf. Nem sequer uma mesa, porque por uma questão pessoal, não gosto de escrever na mesma mesa em que como. Um dia, aquela mesa, porque é grande, ainda será a minha secretária. Isto, claro, quando eu for crescida e tiver uma casa com uma sala de trabalho só para mim, de preferência com uma janela grande a dar para um jardim muito verde e sem relva (mas com muitas aromáticas) e com vista para o mar.
Mas, por enquanto, a minha bolha espacial é uma Poang. Nela me sento, com o meu portátil ao colo, e nela escrevo. Não só a ficção, mas também os textos de crítica, também a tese, também a tradução. Quando preciso de ter mais espaço para os livros (que teimam em respeitar a lei da gravidade e se escapam por entre os braços da cadeira), sento-me no sofá e uso a pequena mesa da sala.
Trabalhar na sala significa fazê-lo no sítio mais nefrálgico da casa a seguir à cozinha. Aqui está o resto da família, a televisão ligada, as conversas cruzadas, o telefone que toca. Só quando as condições de caos se acumulam muito perto de mim é que me incomodam. De resto, consigo perfeitamente trabalhar nestas condições. Talvez por ter passado alguns anos em redações de jornais, habituei-me a trabalhar com ruído em redor. Basicamente, desde que não falem directamente comigo, a coisa corre bem.
Enfim, nestes tempos de grande e perfeitas exigências, se calhar, tenho mesmo um sítio bestial para escrever. Meu e só meu, inalcançável para os outros (embora não de todo, porque basta chamarem-me para eu vir à "janela"): a minha bolha (à parte a parte física da Poang), o meu casulo. Nele vou ouvindo as vozes que me contam as estórias ou fazendo a gestão da informação para os textos de não-ficção. Nele  vou assomando para manter contacto com o mundo. Com esta bolha garanto também que não me ataca a neura do écrã em branco. Quando as ideias não se organizam por qualquer razão, vou fazer outra coisa. Cozinhar, por exemplo. Ou ouvir música. Ou dançar. Ou andar. Manter as mãos ocupadas foi sempre um bom truque contra a angústia.
Muito provavelmente, no dia em que tiver o meu escritório, o tal com janela aberta sobre um jardim verdejante e vista para o Oceano, continuarei a escrever num sítio pouco ortodoxo. Até porque esta bolha (à parte o assento Poang, que se mantém na sala à minha espera) é portátil. E discreta, porque ninguém a vê. E, por isso, anda comigo por todo o lado para onde vou.

1 comentário:

  1. Olá,
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A propósito da entrevista da Ana Sousa Dias e de mais coisas...

Como já é público, o meu conhecimento sobre os homens é muito básico. Diria, para que fiquem todos igualmente contentes, que o meu conhecimento sobre as mulheres não é muito mais substancial. Na realidade, o humano, embora não me seja estranho no seu todo, mantém sobejos mistérios. Em ambos os géneros.
Contudo, parece que algumas pessoas são mais rápidas a catalogar e a arquivar (será que também a compreender?...permito-me duvidar) do que eu. 
Uma pequena história. No dia do lançamento da "Cartografia Íntima", e estando presentes no auditório da FNAC do Colombo algumas dezenas de convidados, entre os quais eu arriscaria uns 35 a 40% do género masculino, um senhor brindou uma amiga minha com uma pergunta em tom indignado: "Isto é uma coisa para fêmeas, não é?". A minha amiga ainda respondeu com toda a simplicidade: "Não, acho que é para todos." Mas ele, olhando em volta, sentenciou em tom definitivo: "Não. É uma coisa para fêmeas!". E saiu a toda a pressa. 

Pergunta: que saberá ele das "fêmeas" que nós desconhecemos?


A propósito destas escritas

Na pasta que tenho no computador sobre os cinco sentidos, há vários documentos sobre a possível organização deste projecto. Primeiro, quando tudo começou, como um conto. Depois, como um conjunto de cinco contos. Mais tarde, como um projecto de cinco romances.
No meio desta série de documentos, as minhas notas sobre a ordem de entrada em cena dos sentidos é um dos aspectos que mais me diverte. Porque tal como se altera substancialmente o modo como, a cada momento, tentei definir as personagens, as suas biografias e simbólicas, também a ordem dos livros vai variando.
Como é sabido, a escrita tem não apenas ritmos próprios, mas também exigências particulares. E no seu labirinto de fiação, as personagens acabam por nos largar a mão.
Lembro-me sempre de dois romances da Regina Louro ("Que pena ela não se chamar Maria" e a sua sequela "À sombra das altas torres do Bugio"), em que muito claramente a personagem central se solta e chega a intervir na narrativa, interpelando a escritora. Essa tentação — que outros já tiveram mas a que a Regina dá o seu inequívoco e alucinante e contagiante ritmo — surge, no processo da escrita, com mais frequência do que se poderia pensar. Se não a de colocar a personagem a falar connosco (no sentido de ser ela a iniciar esse "chat", como agora se poderia dizer), pelo menos a de entrarmos nós logo em diálogo com ela. Às vezes, até para a pôr no lugar...
Não estou a dizer que isso vá acontecer nestas estórias. Apenas quero com isso sublinhar o modo como as personagens se autonomizam das linhas com que, no início, traçamos o seu destino. Como nos obrigam a repensar a acção a cada página, a sopesar as palavras que dizem (será que esta personagem diria isto? nesta altura, isto poderia passar-se assim? como reagiria esta personagem ou aquela a esta situação particular?), as opções que fazem.
Parte do prazer da escrita é contar uma estória. No meu caso, não sendo uma verdadeira contadora de estórias, mas uma perguntadora, a escrita é mais do que um prazer: é uma necessidade, uma função vital. Não é por isso menos estranho verificar como uma função vital nossa pode ser "habitada" por decisões que parecem obedecer a uma lógica estranha a nós (o que é diferente de dizer "a uma lógica que nos é estranha").
Com a escrita (o tempo do seu processo), "o que podia ter sido e não foi" é progressivamente apagado da memória. Aliás, uma das funções que para mim tem o acto de escrever é não apenas interrogar-me sobre algumas questões que me interessam como libertar-me dos aspectos narrativos de que elas se revestem. Ou seja, é despojar-me delas; abrir outras portas. O esquecimento faz por isso parte do processo. Abrir estos documentos do que têm sido os vários projectos destes cinco sentidos é por isso um exercício de divertimento, estranheza, surpresa e, por vezes, alívio.
O tempo — e as leituras e reflexões que ele permite — é, sem dúvida, um poderoso aliado.
Lembrei-me disto hoje, porque estando a meio do segundo volume tenho várias encruzilhadas pela frente e fui abrir esses documentos a ver se aí encontrava ajuda. Não foi pior nem melhor. O que lá está já não faz sentido. Voltei a ficar sozinha com as personagens e as suas exigências. Logo se verá o que acontece. Como diz o Javier Marías: escrevo para saber como é que a estória vai acabar. Para mim, também é um bocado assim.

Para quem ainda não leu e quiser espreitar as primeiras páginas do livro...

...pode fazê-lo em:
http://www.scribd.com/doc/12970592/Emilia-Ferreira-Cartografia-Intima-Difel-2009

E mais uma impressão sobre o livro

"Desde já  gostei muito, muito do teu romance e sobretudo do tom discreto da tua escrita.

abraço amigo

_______ ZÉ MARTO"



Muito obrigada, Zé.

E ainda mais uma impressão sobre o livro

Como não encontrei maneira de escrever no teu blog sobre a Cartografia Íntima e acabei hoje de a ler, não quero deixar de te dar os parabéns e agradecer-te a partilha do teu olhar sobre este grande novelo no qual estamos todos envolvidos. Será mais um passo certamente para reflectirmos sobre como vamos (ou podemos) deixar a nossa pele e a dos outros, esta última quantas vezes esquecida.
Quando afinal fomos deixando penduradas linhas aqui e ali, umas por esquecimento, outras por distracção, outras nem nós sabemos bem porquê. O que temos que aproveitar são estes fios que nos unem e construir (agora que estamos mais velhinhos) laços dos quais nos lembremos sempre com alegria e amor.
Bjs
A. Barra
PS: A cidade será Lagos?

E mais outra

Olá Emília
tudo bem?Quero apenas dizer-te que adorei o teu livro, de coração e com a toda a sinceridade. Parabéns.É um tipo de escrita que gosto muito, essa de se brincar com as palavras para expõr a profundeza dos sentimentos. Na verdade revi-me em muito na vida de Helena e na forma como a vida se nos escreve na pele e nos marca o coração.Já o recomendei a algumas pessoas e vou oferecer a uma amiga minha minha ah! e obrigada pelo autógrafo.
bjs e fico a aguardar o próximo

Lurdes

Últimas e próximas

Afinal, a Feira do Livro correu muito bem.
Obrigada a todos os que apareceram. E também a todos os que não puderam ir. 


Amigos:

Depois de antecipar, como pior dos cenários, a minha solidão na torreira do sol da Feira, qual Lawrence no deserto (isto se nenhum de vocês lá fosse), comecei a antecipar a possibilidade de um número à Gene Kelly. No caso, Singing in the Rain. Talvez por receio do que isso fizesse pelo livro, fui aconselhada pelo meu editor a adiar a presença na Feira para o próximo domingo 17 de Maio.
Esperemos que o tempo nos deixe fechar a Feira em beleza.
Assim que souber a hora, digo alguma coisa.
 




Feira do Livro de Lisboa, Pavilhão da Difel.
Afinal, vai ser dia 9, às 17h00. Rain or shine. Contei com sol, mas parece que vai estar cinzento. Não faz mal. Lá estarei. Espero que passem por lá.  
Não se esqueçam!




Depois de uma breve conversa com a Ana Aranha, À volta dos Livros, na Antena 1, e de uma passagem pela Maratona da Leitura, na Fnac, no último dia 23, vem agora aí a Feira do Livro.
Em princípio, encontramo-nos dia 10 de Maio. Assim que souber a hora, digo-vos. Espero ver-vos por lá.