E se?

E se envelhecer for uma glória? 
E se o tempo espelhado, gravado, inscrito sobre a superfície do nosso corpo for o mais notável testemunho do quanto vivemos? Do quanto fruímos, sofremos, rimos e amámos?

Para quê passar a vida a tentar manter intacta a juventude, quando o único modo de ela permanecer intocada é preterir o tempo em troca de uma eternidade que tudo consome?


quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Carta 13: A propósito das imagens

Todos conhecemos a máxima "uma imagem vale por mil palavras". Tendencialmente estou de acordo, mas devo ressalvar que depende, obviamente, da imagem. De qualquer modo, é de algumas delas — das que valem até mais do que mil — que quero falar.

Há vários anos escrevi um livro de contos com o singelo título de "Contos do Princípio". Andava muito em torno de questões simbólicas, e diverti-me muito a escrevê-lo. Um dos contos desse livrinho, o primeiro de todos a ser escrito, intitulado "Os Barqueiros do Rio Cheio", foi escrito um pouco de jacto, tinha eu 21 anos e acabava de chegar da Alemanha, onde tinha comprado um sem número de cadernos chineses forrados a seda e cheios de bonecos cuja tonalidade (e, diria, movimento) mudava de acordo com a exposição à luz. Foi inspirado na capa de um desses cadernos que o conto saiu assim de jacto.
Quanto ao mais, o livro demorou imenso tempo a ficar completo, apesar de apenas incluir cinco narrativas (mais 4 para além dessa) e de serem todas bastante simples. Terminei-o em 1994, dez anos depois de o ter iniciado. Algum tempo passado, vi numa galeria já extinta de Lisboa, uma exposição do Manuel João Vieira (para os mais distraídos, actual candidato à presidência da República, um rapaz da minha idade, e que tem o meu apoio, claro está!). Para minha grande surpresa, no meio do caos da exposição (as telas estavam encostadas às paredes e acumulavam-se junto ao chão, discutindo o espaço com os visitantes na inauguração e ao longo de todo o período expositivo), havia um quadro que contava a história toda desse livro, com a maior das naturalidades. Sempre pensei que se algum dia o livro fosse publicado, me encheria de coragem e iria pedir ao Manuel João para me deixar usar o quadro como capa. Infelizmente, não sei o título do quadro e duvido que o Manuel João, com as actuais preocupações político-artísticas, me contemplasse com a sua aceitação.
Anyway...

Quando comecei a escrever a Cartografia, como já aqui contei, tinha na mente algumas imagens da Vera Castro. Porém, com o desenvolvimento da estória, o quadro que a protagonista e o tio vêem em Londres, na National Gallery, é um retrato que, actualmente, se encontra na Gulbenkian (enfim, actualmente, está em Madrid, numa exposição temporária sobre a obra do Ghirlandaio, seu autor).
Como é um quadro que ocupa parte importante das reflexões da personagem, pensei sugeri-lo como capa para o romance. Mas, tive receio de duas coisas:
1. que fosse tomado como presunçoso;
2. que, sendo inicialmente aceite a ideia, fosse por fim recusada por serem altos os direitos a pagar.



É este o quadro. Chama-se "Retrato de uma jovem" e é da autoria de um pintor italiano do século XV, chamado Domenico Ghirlandaio.

Quando o meu editor me pediu para ir pensando em capas para o livro, mais concretamente em ideias para imagens, eu bloqueei. Que imagens? Quando ele, por fim, mencionou que podia, por exemplo, ser um vestido, houve, de imediato, outra imagem que me veio à cabeça e que, de certo modo (ou, melhor dizendo, do modo certo), apontava na direcção da minha estória. É ela a pintura de Paula Rego, "A Prova".
Escusado será dizer que bloqueei pelas mesmas razões que me haviam levado ao silêncio no caso do italiano.




Enfim... agora, quase dois anos depois, tenho mesmo pena de não ter tentado.

Mas, enfim, aqui ficam partilhadas mais essas coisas íntimas que ficam fora da estória publicada.
É verdade que há imagens que valem mil palavras (até um milhão ou mais) mas também há outras que não valem sequer que digamos nada sobre elas. Ou que, pura e simplesmente, nos deixam na boca um sabor a pouco. A demasiado pouco.

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A propósito da entrevista da Ana Sousa Dias e de mais coisas...

Como já é público, o meu conhecimento sobre os homens é muito básico. Diria, para que fiquem todos igualmente contentes, que o meu conhecimento sobre as mulheres não é muito mais substancial. Na realidade, o humano, embora não me seja estranho no seu todo, mantém sobejos mistérios. Em ambos os géneros.
Contudo, parece que algumas pessoas são mais rápidas a catalogar e a arquivar (será que também a compreender?...permito-me duvidar) do que eu. 
Uma pequena história. No dia do lançamento da "Cartografia Íntima", e estando presentes no auditório da FNAC do Colombo algumas dezenas de convidados, entre os quais eu arriscaria uns 35 a 40% do género masculino, um senhor brindou uma amiga minha com uma pergunta em tom indignado: "Isto é uma coisa para fêmeas, não é?". A minha amiga ainda respondeu com toda a simplicidade: "Não, acho que é para todos." Mas ele, olhando em volta, sentenciou em tom definitivo: "Não. É uma coisa para fêmeas!". E saiu a toda a pressa. 

Pergunta: que saberá ele das "fêmeas" que nós desconhecemos?


A propósito destas escritas

Na pasta que tenho no computador sobre os cinco sentidos, há vários documentos sobre a possível organização deste projecto. Primeiro, quando tudo começou, como um conto. Depois, como um conjunto de cinco contos. Mais tarde, como um projecto de cinco romances.
No meio desta série de documentos, as minhas notas sobre a ordem de entrada em cena dos sentidos é um dos aspectos que mais me diverte. Porque tal como se altera substancialmente o modo como, a cada momento, tentei definir as personagens, as suas biografias e simbólicas, também a ordem dos livros vai variando.
Como é sabido, a escrita tem não apenas ritmos próprios, mas também exigências particulares. E no seu labirinto de fiação, as personagens acabam por nos largar a mão.
Lembro-me sempre de dois romances da Regina Louro ("Que pena ela não se chamar Maria" e a sua sequela "À sombra das altas torres do Bugio"), em que muito claramente a personagem central se solta e chega a intervir na narrativa, interpelando a escritora. Essa tentação — que outros já tiveram mas a que a Regina dá o seu inequívoco e alucinante e contagiante ritmo — surge, no processo da escrita, com mais frequência do que se poderia pensar. Se não a de colocar a personagem a falar connosco (no sentido de ser ela a iniciar esse "chat", como agora se poderia dizer), pelo menos a de entrarmos nós logo em diálogo com ela. Às vezes, até para a pôr no lugar...
Não estou a dizer que isso vá acontecer nestas estórias. Apenas quero com isso sublinhar o modo como as personagens se autonomizam das linhas com que, no início, traçamos o seu destino. Como nos obrigam a repensar a acção a cada página, a sopesar as palavras que dizem (será que esta personagem diria isto? nesta altura, isto poderia passar-se assim? como reagiria esta personagem ou aquela a esta situação particular?), as opções que fazem.
Parte do prazer da escrita é contar uma estória. No meu caso, não sendo uma verdadeira contadora de estórias, mas uma perguntadora, a escrita é mais do que um prazer: é uma necessidade, uma função vital. Não é por isso menos estranho verificar como uma função vital nossa pode ser "habitada" por decisões que parecem obedecer a uma lógica estranha a nós (o que é diferente de dizer "a uma lógica que nos é estranha").
Com a escrita (o tempo do seu processo), "o que podia ter sido e não foi" é progressivamente apagado da memória. Aliás, uma das funções que para mim tem o acto de escrever é não apenas interrogar-me sobre algumas questões que me interessam como libertar-me dos aspectos narrativos de que elas se revestem. Ou seja, é despojar-me delas; abrir outras portas. O esquecimento faz por isso parte do processo. Abrir estos documentos do que têm sido os vários projectos destes cinco sentidos é por isso um exercício de divertimento, estranheza, surpresa e, por vezes, alívio.
O tempo — e as leituras e reflexões que ele permite — é, sem dúvida, um poderoso aliado.
Lembrei-me disto hoje, porque estando a meio do segundo volume tenho várias encruzilhadas pela frente e fui abrir esses documentos a ver se aí encontrava ajuda. Não foi pior nem melhor. O que lá está já não faz sentido. Voltei a ficar sozinha com as personagens e as suas exigências. Logo se verá o que acontece. Como diz o Javier Marías: escrevo para saber como é que a estória vai acabar. Para mim, também é um bocado assim.

Para quem ainda não leu e quiser espreitar as primeiras páginas do livro...

...pode fazê-lo em:
http://www.scribd.com/doc/12970592/Emilia-Ferreira-Cartografia-Intima-Difel-2009

E mais uma impressão sobre o livro

"Desde já  gostei muito, muito do teu romance e sobretudo do tom discreto da tua escrita.

abraço amigo

_______ ZÉ MARTO"



Muito obrigada, Zé.

E ainda mais uma impressão sobre o livro

Como não encontrei maneira de escrever no teu blog sobre a Cartografia Íntima e acabei hoje de a ler, não quero deixar de te dar os parabéns e agradecer-te a partilha do teu olhar sobre este grande novelo no qual estamos todos envolvidos. Será mais um passo certamente para reflectirmos sobre como vamos (ou podemos) deixar a nossa pele e a dos outros, esta última quantas vezes esquecida.
Quando afinal fomos deixando penduradas linhas aqui e ali, umas por esquecimento, outras por distracção, outras nem nós sabemos bem porquê. O que temos que aproveitar são estes fios que nos unem e construir (agora que estamos mais velhinhos) laços dos quais nos lembremos sempre com alegria e amor.
Bjs
A. Barra
PS: A cidade será Lagos?

E mais outra

Olá Emília
tudo bem?Quero apenas dizer-te que adorei o teu livro, de coração e com a toda a sinceridade. Parabéns.É um tipo de escrita que gosto muito, essa de se brincar com as palavras para expõr a profundeza dos sentimentos. Na verdade revi-me em muito na vida de Helena e na forma como a vida se nos escreve na pele e nos marca o coração.Já o recomendei a algumas pessoas e vou oferecer a uma amiga minha minha ah! e obrigada pelo autógrafo.
bjs e fico a aguardar o próximo

Lurdes

Últimas e próximas

Afinal, a Feira do Livro correu muito bem.
Obrigada a todos os que apareceram. E também a todos os que não puderam ir. 


Amigos:

Depois de antecipar, como pior dos cenários, a minha solidão na torreira do sol da Feira, qual Lawrence no deserto (isto se nenhum de vocês lá fosse), comecei a antecipar a possibilidade de um número à Gene Kelly. No caso, Singing in the Rain. Talvez por receio do que isso fizesse pelo livro, fui aconselhada pelo meu editor a adiar a presença na Feira para o próximo domingo 17 de Maio.
Esperemos que o tempo nos deixe fechar a Feira em beleza.
Assim que souber a hora, digo alguma coisa.
 




Feira do Livro de Lisboa, Pavilhão da Difel.
Afinal, vai ser dia 9, às 17h00. Rain or shine. Contei com sol, mas parece que vai estar cinzento. Não faz mal. Lá estarei. Espero que passem por lá.  
Não se esqueçam!




Depois de uma breve conversa com a Ana Aranha, À volta dos Livros, na Antena 1, e de uma passagem pela Maratona da Leitura, na Fnac, no último dia 23, vem agora aí a Feira do Livro.
Em princípio, encontramo-nos dia 10 de Maio. Assim que souber a hora, digo-vos. Espero ver-vos por lá.